A JBS, maior processadora de carnes do mundo e gigante do agronegócio brasileiro, está prestes a dar um passo histórico: listar suas ações também na Bolsa de Nova York, em um movimento conhecido como dupla listagem. A notícia, que impulsionou os papéis da companhia em 18% em um único dia, reacendeu uma discussão estratégica e política: o que o BNDES — seu segundo maior acionista — deveria fazer diante dessa internacionalização?
Por que essa decisão envolve o BNDES?
O BNDES, por meio do seu braço de investimentos BNDESPar, possui hoje 20,8% das ações da JBS. O banco de fomento entrou no capital da empresa em 2007, financiando sua expansão global com a compra de gigantes como a Swift e a Pilgrim’s Pride. O objetivo? Criar “campeões nacionais” capazes de representar o Brasil no cenário global.
Agora, ao buscar ampliar sua base de investidores fora do país, a JBS levanta dúvidas sobre a coerência entre essa estratégia e o papel do BNDES em promover o desenvolvimento econômico nacional. Afinal, se a empresa prioriza Wall Street, o Brasil fica em segundo plano?
A abstenção estratégica do BNDESPar
Em meio a essa encruzilhada, o BNDESPar optou por um caminho intermediário: abster-se da votação que decidirá sobre a listagem das ações nos Estados Unidos por meio de uma subsidiária holandesa. Essa posição evitou um conflito direto, mas também transferiu a responsabilidade para os demais acionistas minoritários da companhia.
Segundo fontes ligadas ao caso, a abstenção pode ter sido fruto de um acordo prévio entre o banco e a J&F Investimentos — holding da família Batista, fundadora da JBS — que detém 48,3% das ações. O objetivo seria manter o controle majoritário e evitar que o BNDES fosse forçado a vender suas ações imediatamente, o que poderia afetar a valorização dos papéis.
Bastidores da decisão e reações do mercado
Embora o silêncio oficial tenha sido a tônica após o anúncio, analistas interpretaram a movimentação do BNDES como uma forma velada de oposição. Igor Guedes, da Genial Investimentos, apontou que a estrutura do acordo foi desenhada justamente para impedir um voto contrário da instituição, que poderia barrar a listagem.
Ainda assim, o mercado reagiu positivamente. Após o anúncio, as ações da JBS mantiveram uma leve alta, impulsionadas pela perspectiva de que a listagem nos EUA pode trazer maior visibilidade e valorização para a companhia, aproximando-a dos múltiplos de seus pares internacionais.
A visão da SEC e os próximos passos
A proposta da JBS ainda depende da aprovação da Securities and Exchange Commission (SEC), a poderosa reguladora do mercado de capitais dos Estados Unidos. Embora não haja um cronograma definido, fontes indicam que o órgão vê a proposta como viável.
No entanto, a SEC estaria atenta à estrutura de controle acionário da JBS. A concentração nas mãos da J&F e do BNDESPar poderia ser um entrave. Por isso, analistas como Guedes sugerem que o banco de fomento estaria disposto a reduzir sua participação no futuro, caso isso seja necessário para o aval regulatório.
O dilema do BNDES: entre o interesse público e o retorno financeiro
A posição do BNDES nesse processo é mais do que estratégica: é simbólica. Ao financiar a internacionalização da JBS, o banco cumpriu seu papel de fomentar a competitividade brasileira no exterior. No entanto, permitir que a companhia migre parte de sua governança e captação de recursos para o exterior levanta uma pergunta incômoda: onde está o retorno para o Brasil?
Para alguns economistas, a internacionalização da JBS pode gerar benefícios indiretos, como maior arrecadação e projeção do setor agropecuário nacional. Para outros, representa a perda de influência do país sobre uma de suas maiores multinacionais.
Investidores atentos e futuro incerto
A comunidade financeira acompanha cada passo do processo. A listagem dupla pode facilitar o acesso da JBS a capital internacional, atrair grandes fundos e aumentar a liquidez de suas ações. Em contrapartida, os investidores domésticos podem temer uma menor transparência ou enfraquecimento da governança brasileira.
Uma escolha com impactos além da bolsa
A decisão da JBS de mirar Wall Street vai muito além de uma movimentação de mercado. Trata-se de um teste para o papel do BNDES como agente de desenvolvimento, para a autonomia das empresas brasileiras e para o próprio conceito de “campeões nacionais”. A forma como esse processo será conduzido pode influenciar os rumos de outras companhias brasileiras com aspirações globais — e, por consequência, o futuro da economia nacional.
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