Uma investigação do jornal O Estado de S. Paulo revelou inconsistências preocupantes no programa Pé-de-Meia, uma das principais apostas sociais do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Criado para oferecer uma poupança a estudantes do ensino médio da rede pública como forma de combater a evasão escolar, o programa registra mais beneficiários do que estudantes oficialmente matriculados em ao menos três cidades brasileiras: Riacho de Santana (BA), Porto de Moz (PA) e Natália (MG).
Além disso, em ao menos 15 municípios espalhados por cinco estados, mais de 90% dos alunos do ensino médio já recebem os valores do benefício número considerado alto, diante da dificuldade histórica de manter os jovens matriculados nessa etapa da educação básica.
Casos chamam atenção pelo número de beneficiários superior ao número de estudantes
Em Riacho de Santana, município baiano com cerca de 35 mil habitantes, o Ministério da Educação (MEC) informou que, em fevereiro, foram feitos 1.231 pagamentos do Pé-de-Meia. No entanto, a única escola pública de ensino médio da cidade, o Colégio Sinésio Costa, possui apenas 1.024 alunos, segundo informado à reportagem no dia 12 de abril. A Secretaria Estadual de Educação da Bahia indica um número ainda menor: 167 estudantes. O próprio MEC, porém, fala em 1.860 estudantes, número incompatível com a estrutura da escola, que possui apenas 15 salas de aula.
Do total de pagamentos no município baiano, 456 bolsas foram destinadas a alunos menores de 18 anos do ensino regular e 775 a estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade que concentra a maior parte das irregularidades, segundo a apuração. O valor total liberado em fevereiro chega a R$ 1,75 milhão.
Já em Porto de Moz (PA), às margens do Rio Xingu, os dados do MEC indicam 1.687 beneficiários em um município com apenas 1.382 estudantes do ensino médio, segundo os diretores das duas escolas estaduais locais. O número do MEC é ainda mais inflado: 3.105 alunos, mais que o dobro observado pelas gestões escolares.
Em Natália (MG), foram registrados 326 beneficiários em fevereiro, embora a escola estadual local tenha apenas 317 alunos matriculados. O MEC, no entanto, afirma que há 600 estudantes na rede pública da cidade. A escola citada, Alvarenga Peixoto, tem apenas sete salas de aula.
MEC diz que dados vêm dos estados e nega risco ao programa
Questionado pela reportagem, o Ministério da Educação alegou que a responsabilidade pelas informações fornecidas ao sistema do Pé-de-Meia é das secretarias estaduais de Educação. O órgão disse ainda que já está atuando em conjunto com os estados para corrigir inconsistências, mas enfatizou que isso não compromete a credibilidade ou continuidade do programa.
Em resposta adicional, a Secretaria de Educação da Bahia disse que os números incluem estudantes de duas escolas agrícolas privadas que seriam mantidas pelo estado e alunos de anexos escolares situados em distritos fora da sede municipal, o que explicaria o número inflado.
Oposição pede investigação do TCU e convocação de ministro
Diante das suspeitas de pagamentos indevidos e falta de controle, parlamentares da oposição ao governo Lula solicitaram ao Tribunal de Contas da União (TCU), na segunda-feira (31), que realize uma auditoria completa no programa. Também foi encaminhado um pedido de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para prestar esclarecimentos à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.
“O programa Pé-de-Meia é uma iniciativa interessante e necessária para combater a evasão escolar, mas precisa ser executado com total transparência e controle. Qualquer suspeita de desvio ou má gestão deve ser apurada com rigor”, declarou um dos deputados autores do requerimento.
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